A ascensão irresistível do cinema sul-coreano
A Netflix anunciou um investimento colossal de 2,5 bilhões de dólares para os próximos quatro anos na produção de filmes e séries sul-coreanas. É um reconhecimento internacional para um país cujas produções audiovisuais conquistam cada vez mais público ao redor do mundo.
Em um comunicado de imprensa, Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, explicou: “Tomamos esta decisão porque estamos convencidos de que a indústria sul-coreana continuará contando belas histórias."
"É incrível como o amor pelas produções sul-coreanas despertou um interesse mais amplo por este país, graças às histórias cativantes dos criadores sul-coreanos. Agora, suas histórias estão no centro do zeitgeist, cultural e global", acrescentou o líder do streaming.
É um fato que, ano após ano, o cinema da Coreia do Sul impressiona pela sua originalidade.
Embora Hallyuwood (em referência à palavra "hallyu" que designa a onda cultural do país) produz menos em quantidade que Bollywood (Índia) ou Nollywood (Nigéria), o país não tem nada que invejar das grandes produções hollywoodianas em termos de qualidade.
O carro-chefe do cinema sul-coreano é, sem dúvida, o fenômeno mundial 'Round 6' ('Squid Game'). De acordo com o site Les Numériques, essa série é, até o momento, a mais assistida na Netflix, com 1,65 bilhão de horas assistidas nos primeiros 28 dias de sua transmissão.
A paixão do público pela produção levou à criação de um projeto de reality show, baseado na trama da série. Assim como a tão esperada segunda temporada.
Mas o sucesso da série coreana está longe de se limitar a 'Round 6' ('Squid Game')! Da história apocalíptica 'Todos Nós Estamos Mortos' à série de fantasia 'Profecia do Inferno', passando pelo drama 'Vincenzo' e muitos outros, as produções coreanas têm revolucionado o conteúdo disponível na Netflix.
Nos últimos anos, o cinema sul-coreano também ganhou destaque graças ao filme 'Parasita', que ganhou Palma de Ouro em Cannes em 2019 e foi o primeiro filme em língua não inglesa a ganhar um Oscar. Este drama que retrata uma luta de classes entre duas famílias coreanas, destacou-se por sua encenação animada, seu humor ácido e suas cenas voluntariamente cruas.
O cinema sul-coreano teve um percurso difícil. Durante o período de ditadura nas décadas de 1960 a 1980, os cineastas eram incentivados a fazer apologia ao regime ou criticar a vizinha Coreia do Norte. No entanto, alguns deles conseguiram contornar a censura, estabelecendo as bases para a criatividade atual.
Tudo mudou a partir de 1993, ano em que o sul da península coreana começou a democratizar-se gradualmente. Os diretores passaram a abordar temas que eram considerados tabus, anteriormente, como a ocidentalização forçada do país, em 'Sopyonje' (1993) e, especialmente, o fim do regime de Park Chung-hee (na foto), em 'The President's Last Bang' (2005).
A produção foi incentivada pelas "screen quotas" (cotas de tela): até 2006, os cinemas sul-coreanos eram obrigados a exibir obras nacionais por pelo menos 146 dias por ano - um número que foi reduzido para 73, após um acordo comercial com os Estados Unidos. Isso ajudou a desenvolver uma indústria cinematográfica próspera e atraente tanto para o público local quanto para o público estrangeiro.
'Oldboy' marcou outro marco importante no sucesso do cinema sul-coreano. Lançado há 20 anos, este filme, muito violento, narra o isolamento forçado de um personagem e retrata, implicitamente, o período sombrio da ditadura que governou o país.
A Coreia do Sul também desenvolveu um cinema autoral, tendo o autodidata diretor e roteirista Kim Ki-duk como uma figura de destaque. Com obras como 'Casa Vazia' ('Ferro 3', em Portugal) e 'Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera', ele era um dos cineastas mais reconhecidos mundialmente, até o seu falecimento em 2020.
O cinema sul-coreano também reúne produções mais voltadas para o grande público. Após 'Oldboy', Park Chan-wook, também conhecido por obras como 'Eu Sou um Cyborg, e Daí?' e 'Sede de Sangue' ('Thirst - Este É o Meu Sangue...', em Portugal), tornou-se um ícone do cinema nacional com suas peculiaridades e decisões originais incríveis.
Segundo Edward White, ex-correspondente na Coreia do Sul do Financial Times: "As casas de produção coreanas encontraram uma fórmula que realmente funciona, que é uma mistura de drama, romance, intriga e comédia. Isso, sem esquecer a estética bem cuidada e a pitada de loucura típica do cinema local, encantando os espectadores."
Além do cinema, a Coreia do Sul agora exporta uma cultura pop completa, competindo seriamente com o rival japonês e superando os esforços do soft power chinês. Música (a famosa K-pop), videogames, receitas de culinária... o mundo inteiro agora adora a "hallyu"!