O beijo não-consentido que abala o futebol na Espanha: cronologia de uma polêmica
A vitória da Espanha na Copa do Mundo Feminina de Futebol deveria haver sido um momento de celebração e coesão para o país. Mas o acontecimento foi manchado pelo escândalo em torno do beijo forçado que Luis Rubiales, presidente da Federação Espanhola de Futebol (RFEF), deu na jogadora Jennifer Hermoso.
Para entender melhor o que está a acontecer, voltemos ao início da história. No dia 20 de agosto, as espanholas venceram a Inglaterra (1 a 0), em Sydney, e conquistaram a primeira Copa do Mundo de sua história.
No momento da entrega das medalhas, o chefe do futebol espanhol, Luis Rubiales (46), segurou a cabeça de Jenni Hermoso entre as mãos e deu-lhe um beijo na boca. A cena levantou fortes reações nos meios de comunicação e, inclusive, entre as autoridades do governo.
Poucos minutos depois, de volta ao vestiário, em plena festa com as colegas, Jenni Hermoso apareceu em uma live no Instagram, na qual comenta sobre o beijo: “Não gostei, ein?”.
No entanto, em um primeiro comunicado, a Federação Espanhola de Futebol defendeu seu presidente: “Foi um gesto mútuo totalmente espontâneo pela imensa alegria que advém de vencer uma Copa do Mundo, um gesto natural de carinho e gratidão”.
No dia seguinte ao jogo, Luis Rubiales publicou um vídeo em que dizia: “Com certeza me enganei. Sem má intenção, aconteceu espontaneamente. Temos uma relação maravilhosa, como com todas as outras jogadoras. Víamos isso como algo normal, mas alguns se sentiram ofendidos, tenho que aprender com isso”.
O presidente do Governo da Espanha, Pedro Sánchez, pronunciou-se sobre o assunto, durante uma coletiva de imprensa na terça-feira, 22 de agosto, em Madri. "É um gesto inaceitável. Este pedido de desculpas é insuficiente, inadequado. Até penso que é inapropriado e por isso deve ir mais longe", disse.
Por sua vez, a ministra do Trabalho, Yolanda Diaz (foto), declarou na rede social X (ex-Twitter): “Trata-se de um patrão que pressiona uma funcionária para acobertar os abusos que ela sofreu. É extremamente grave e denigre o esporte espanhol. Rubiales deve renunciar imediatamente."
Até que, no dia 25 de agosto, durante uma assembleia geral extraordinária organizada pela Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales falou diante de cerca de 150 pessoas. Enquanto a imprensa pensava que ele iria anunciar sua demissão, aconteceu exatamente o oposto. “Não vou renunciar!”, martelou Rubiales, subindo o tom de voz cada vez que repetia esta frase.
Durante seu discurso de quase meia hora, o presidente da RFEF disse que não via nada demais no "beijinho" que deu em Jenni Hermoso. Ele também falou na existência de um “falso feminismo” e descreveu-se como vítima de uma “tentativa de assassinato social”. Surpreendentemente, foi aplaudido por muitos dos presentes, incluindo o treinador da seleção feminina, Jorge Vilda, e o da seleção masculina, Luis de la Fuente.
Poucas horas depois do polêmico discurso de Luis Rubiales, as 23 campeãs mundiais anunciaram, conjuntamente, que deixavam a seleção espanhola, enquanto os atuais dirigentes permaneçam nos cargos.
Na sexta-feira, 25 de agosto, a RFEF descreveu, como "mentiras" as acusações feitas contra o seu presidente Luis Rubiales. “A RFEF e o Presidente provarão todas as mentiras publicadas por qualquer pessoa em nome da jogadora ou, em caso afirmativo, pela própria jogadora”, diz o comunicado.
No mesmo dia, Jenni Hermoso quebrou o silêncio ao postar um longo texto, em suas redes sociais, no qual explicava “que em nenhum momento ocorreu a conversa a que se referia o senhor Luis Rubiales”. A jogadora espanhola afirmou ainda que “o beijo não foi consentido, longe disso”.
“Devo dizer que estive sob constante pressão para fazer uma declaração que pudesse justificar o ato do Sr. Luis Rubiales. (...) A RFEF pressionou aqueles que me rodeavam (família, amigos, companheiros de equipe etc.) para dar um testemunho que pouco ou nada teve a ver com os meus sentimentos", explicou a espanhola, que disse sentir-se "vulnerável" e "vítima de agressão".
Na sexta-feira, 25 de agosto, o Ministério Público espanhol recebeu quatro denúncias contra Luis Rubiales, por suposta agressão s e x u a l.
No sábado, 26 de agosto, a FIFA anunciou a suspensão de Luis Rubiales de "qualquer atividade relacionada com o futebol a nível nacional e internacional" por um período de "mínimo 90 dias". A sanção foi aplicada imediatamente, “enquanto se aguarda o procedimento disciplinar aberto contra Luis Rubiales na quinta-feira, 24 de agosto”.
Num outro comunicado publicado na noite do último sábado, a seleção feminina da Espanha anunciou que 11 dos seus membros técnicos tomaram a decisão de demitir-se, na sequência deste caso. O treinador Jorge Vilda (na foto) optou por permanecer, mas disse: "Lamento que a vitória do futebol feminino tenha sido manchada pelo comportamento inadequado que o nosso líder mais antigo até agora, Luis Rubiales, demonstrou e ele próprio reconheceu".
Atualmente, poucos atletas espanhóis falaram sobre este caso. Ao contrário de Andrés Iniesta, campeão mundial de 2010, que mostrou sua indignação com Rubiales: "Em vez de celebrar esta vitória, tivemos de tolerar um presidente que manteve o seu cargo, que não admitiu que o seu comportamento era inaceitável e que estava a prejudicar a imagem dos nossos país e o nosso futebol no mundo.”
Nesta tempestade mediática e política, a mãe de Luis Rubiales, Angeles Bejar, anunciou na segunda-feira (28), que iniciava uma greve de fome, numa igreja da cidade de Motril, para protestar contra o tratamento dado a seu filho.
A mãe do Presidente Rubiales apelou a Jenni Hermoso para que reconsiderasse as suas palavras.
A história agora poderia ir muito mais longe. O Ministério Público espanhol acaba de abrir uma investigação preliminar sobre “fatos que possam constituir crime de agressão s e x u a l”. A Justiça espanhola convida Jennifer Hermoso a contactar a Procuradoria Nacional de Audiências “no prazo de 15 dias” para conhecer “os seus direitos como vítima” e, se assim o desejar, “apresentar queixa”.
Na segunda-feira (28) à noite, a comissão de presidentes regionais e territoriais da RFEF, finalmente, pediu a renúncia do seu presidente. “Após os últimos acontecimentos e comportamentos inaceitáveis que prejudicaram gravemente a imagem do futebol espanhol, os presidentes solicitam que o Sr. Luis Rubiales apresente imediatamente a sua demissão do cargo de presidente da RFEF”, lê-se no comunicado da Federação Espanhola de Futebol.